A ORAÇÃO DO BOM-SAMARITANO

A ORAÇÃO DO BOM-SAMARITANO

Foto DR

Peço-te, Senhor, que me ensines a arte da compaixão.

Não me permitas subir pelo tempo fora aparelhado de uma indiferença crescente como se habitasse uma cápsula. Tu sabes como facilmente nos tornámos uma máquina de fabricar razões para o escapismo e como estamos longe da construção quotidiana de uma amizade social. Não me deixes supor o mundo, com todas as suas dores, como um flagelo indecifrável e distante do qual tenho simplesmente de me proteger, em vez de interpretá-lo como um apelo que me vem de ti para atuar em teu nome; um apelo a despojar-me das camadas de conforto que isolam e a lavar os pés dos irmãos, como tu o fizeste na última ceia. Não consintas no meu virar de cara rotineiro; na minha surdez ao apela da vida nua que facilmente se perde entre todas as vozes; na dureza prática com que encaro as fragilidades que irrompem na vida dos outros; nas desculpas que dou por andar ocupado noutra esfera; no comodismo que se disfarça no juízo de que já é tarde demais e que nada se pode fazer.

Ensina-me a meter-me em jogo, a viver a minha existência em saída, a entendê-la como uma vida que não me pertence completamente, pois está hipotecada à compaixão, à misericórdia e ao cuidado.

Ensina-me a prece verdadeira, aquela prece feita não de palavras mas de gestos, que o bom samaritano fazia subir até ti.

D. Tolentino

23.11.2020